Uma foto que dá errado, mas um momento que fica gravado


Uma fotógrafa é também uma poetisa, mas sua folha de papel é a paisagem, enquanto sua tinta é a própria luz. A paisagem é tudo o que a vista alcança, mas não só: contemplá-la envolve todo o sensorial, passando por ouvir o quebrar das ondas, sentir a brisa soprar sobre a face, aspirar a geosmina que emana do solo num dia chuvoso.

A fotografia tem suas limitações: ela registra uma imagem bidimensional, privando aquele que a vê de todo o conjunto. Mas ela é, acima de tudo, o registro de um momento; momentos nunca voltam, mas seu registro pode permitir revivê-lo enquanto durem os bytes ou os papeis — e enquanto houver alguém que dele desfrute.

A foto que abre esta publicação, apesar de simples, acabou me ensinando algo. Trata-se de um registro feito num aniversário meu. Como tanto amo a praia, tenho o costume de visitar alguma cidade litorânea sempre que faço anos. Talvez o litoral seja no mundo meu lugar favorito, em que todo o conjunto de um vento no litoral e o som do quebrar das ondas fazem dali um lugar multissensorial. 

Além de todos esses elementos que compõem a experiência da paisagem, o Guarujá tem mais algo particularmente especial para mim:o Modernismo. Na foto vemos a Praia das Pitangueiras, onde predominam construções modernas de algumas décadas atrás, feitas no auge da cidade do Guarujá. Eu, que sou apaixonada pela arquitetura moderna, tenho por elas remetidas uma série de sensações e memórias. Logo, não poderia deixar de registrar o momento, escrevendo, com a luz e o sensor de minha câmera, a poesia que marcasse aquelas especiais horas de contemplação.

Lamentavelmente, as fotos que tiveram boa qualidade técnica não me agradaram no enquadramento. Esta vista na publicação, para mim, teve uma composição perfeita, mas, infelizmente, teve uma séééérie de problemas técnicos. Apesar de esse fato ter me entristecido quando retornei a São Paulo, precisei reconhecer que o processo de uma foto inclui saber apreciar, mas também saber reconhecer o erro. É claro que o erro deve ser evitado a todo custo, principalmente quando se trata de um contexto profissional. Mas e aí? Nesse caso não era um trabalho comercial, tendo somente um valor afetivo. O que me restava, portanto, era apenas saber recuperar o registro e torná-lo o mais agradável possível à vista. Por fim, eu posso, quem sabe um dia, quando a pandemia me permitir, tentar buscar novas oportunidades de refazer o registro — e com uma mais alta e melhor pensada qualidade que da outra vez.
 

Falando em trabalhos comerciais em comparação àqueles meramente artísticos, fico triste que o sentido atribuído à palavra amador seja muitas vezes depreciativo, usando-a para se referir a um trabalho mal feito ou ruim, ao mesmo tempo que o termo profissional ganhou o sentido oposto. Amador é, na verdade, aquele que exerce uma atividade pelo amor, e não por profissão; uma fotógrafa amadora é, deveras, uma amante da fotografia. Há amadores medíocres, tal qual há profissionais medíocres: um trabalho profissional não necessariamente será espetacular, do mesmo modo que um amador não será necessariamente fraco. É claro que a profissão enquanto ganha pão gera uma pressão por resultados melhores, fazendo com que existam mais trabalhos amadores ruins que profissionais ruins, mas isso não é definitivo.

Por outro lado, enquanto uma produção comercial tem suas amarras e limitações, o trabalho amador tem na sua essência a vontade de expressar os desejos do autor: ele é livre, daquele trabalho não depende sua conta bancária.
 
É difícil precisar meu primeiro contato com a fotografia. Quando criança ainda vivi um pouco do período da fotografia analógica e manuseava as nostálgicas "saboneteiras" compactos; anos depois acabaria entrando em contato, também, com as câmeras digitais compactas, as famosas point-and-shoot. Um grande momento, no entanto, foi quando ganhei uma super-zoom para usá-la na excursão de despedida do Ensino Fundamental. Por mais genérica, simples e limitada que fosse a câmera, foi importante para me introduzir à prática fotográfica. Acabei nutrindo um grande carinho pela câmera, que, infelizmente, acabou morrendo entre umas idas e vindas após mais de meia década de funcionamento.

Após essa experiência, foi no ensino médio integrado ao técnico em Marketing que tive um importante empurrão com relação à fotografia. Um professor muito presente em boa parte das disciplinas, formado na área de comunicação, tomou a iniciativa de nos aprofundar nas técnicas básicas da fotografia.
 
Vivíamos, naqueles anos, a era de ouro dos celulares Lumia, sendo o professor apaixonado por seu Lumia 1020, o topo de linha que se tornou um dos camera phones mais emblemáticos da histórica. O fato de oferecer alguns recursos de controle manual da fotografia através do aplicativo Nokia Pro Cam era animador àquela época. Eu própria fui usuária do Windows Phone durante anos e ficava fascinada com o potencial.
 
As aulas trazidas pelo professor, muitas vezes com seu Lumia como exemplificação, não foram essencialmente profundas, mas tiveram um importante caráter introdutório. Ele nos ensinou sobre os princípios básicos (diafragma, obturador e sensibilidade ISO), assim como sobre técnicas básicas de composição, dentre as quais a que mais me marcou àquela altura foi a visão de barata. Foi proposto um projeto para que os alunos desenvolvessem seqüências narrativas fotográficas com os recursos que dispusessem, o que foi ainda mais importante para fixar os conceitos. Terá sido meu primeiro projeto fotográfico?
 
 
É interessante notar que levou muitos anos até que eu pudesse adquirir minha primeira DSLR, assim, muito foi feito com equipamentos mais limitados, como as câmeras cybershot e os aparelhos celulares.

Dizer que equipamento não importa não é exatamente uma verdade. Equipamentos melhores são incrivelmente úteis para o desenvolvimento de um trabalho melhor e até indispensáveis para determinados trabalhos. Mas o ponto é que equipamentos não fazem nada sozinhos: sem técnica, sem estudo e sem repertório, não basta "apontar e clicar".

É tudo um processo, uma construção e um aprendizado. Acabo percebendo que, muitas vezes, sinto-me muito menos segura quanto à minha fotografia nos dias que hoje que anos atrás; mas isso é só algo comparável ao efeito Dunning-Kruger [1]: quando sabemos pouco, achamos que sabemos muito, até o momento em que caímos na real e percebemos que só sabemos que nada sabemos. 
 
Meu processo de início no ramo profissional da fotografia acabou sendo perturbado pela pandemia da Covid-19, mas nada me impede de, enquanto isso, direcionar meu tempo para a prática fotográfica, seja dedicando ao estudo para aprimoramento profissional ou À arte. Como tudo na vida, na fotografia a experiência e a prática aprimoram os resultados. Assim, busquemos a perfeição, mas que sempre estejam presentes a paciência e a dedicação.
 
 Daniely Silva, 14 de abril de 2021.

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