Quando vizinhos tão próximos estão também tão distantes

UTC (-3) 2021-04-10 23:27:27
6" f/1.8 50mm ISO800
 
Que angústia olhar para o céu e ao ver Alpha Centauri não saber o que lá nos espera. Talvez seja uma sensação parecida com a tida com relação a Marte e Vênus décadas atrás, ambos os planetas mais próximos de nós do mesmo modo que Alpha Centauri é o sistema estelar mais próximo. Fantasiávamos sobre as formas de vida que lá nos esperavam, mas nos deparamos com surpresas nada animadoras: no planeta da deusa da beleza, encontramos um inferno da vida real, com um efeito estufa inimaginável e chuva de enxofre; no planeta do deus da guerra, um deserto gelado de atmosfera tão rarefeita que ferveria o sangue humano.
 
O Cruzeiro do Sul, que junto às suas guardiãs, Alfa e Beta Centauri, serviu de bússola nos céus austrais por séculos, hoje pode nos servir de bússola para olhar em direção às nossas possibilidades para o futuro. Quando olhamos para Rigil Kentaurus, a estrela alfa da constelação do Centauro, na verdade estamos vendo um sistema triplo, formado pelas estrelas Alpha Centauri A, Alpha Centauri B Proxima Centauri, a Alfa Centauro C.

Como quando olhávamos para Vênus e Marte no passado, quando vemos a Alfa do Centauro também enxergamos possibilidades sem certezas. Na estrela C do sistema, uma anã-vermelha, há alguns anos foi detectado um planeta rochoso de tamanho semelhante ao da Terra na zona habitável de sua estrela, isto é, que dependendo de certas condições, permitiria a existência de água líquida na superfície [1]. É claro que as expectativas foram incendiárias, e ainda o serão por muito tempo, entre um e outro balde de água fria em meio a uma ou outra boa notícia. Nomeado como Próxima b, simulações já apontaram que, se sua atmosfera for semelhante à da Terra, é bem possível que o ambiente planetário seja aprazível e até contenha oceano/s [2] [3]. Contudo, uma série de questões fazem com que planetas na zona habitável de uma anã-vermelha tenham, na verdade, sua habitabilidade prejudicada: a necessidade de estar muito próximo faz com que seja provável a rotação travada, tendo sempre a mesma face voltada à estrela; além disso, anãs-vermelhas são estrelas extremamente instáveis em sua juventude, podendo varrer completamente a atmosfera de um planeta [4]. Mesmo que o nosso Sol não seja uma estrela desse tipo, vale a comparação de que Vênus e Marte estão nos limites da zona habitável de nosso Sistema Solar, mas, devido a outros fatores que não a distância para o Sol, acabaram por ser, atualmente, planetas nada convidativos à vida humana.

Quando nossos atuais telescópios não nos permitem vasculhar as estrelas para ver melhores detalhes e encontrar bioassinaturas, o que nos resta é sonhar com uma nova Terra que pode nos esperar.

UTC (-3) 2020-09-14 05:35:25 1/50 f/2.8 50mm ISO3200

Nossas expectativas pela vida não medem distância: nossa atenção se volta tanto a exoplanetas a anos-luz como a vizinhos planetários a centenas de milhares de quilômetros. Em 14 de setembro de 2020, o dia de um belo encontro entre a Lua e Vênus, surge-nos uma surpresa nas quentes nuvens do nosso mais próximo vizinho planetário: uma suposta quantidade de fosfina sobre a qual uma das principais hipóteses de origem seria a biológica [5]. Se confirmado, futuramente, que a fosfina encontrada tem essa origem, poderemos dizer que 2020 foi o "ano do contato". Acaso houve múltiplas gêneses no nosso Sistema Solar? Estará o Grande Filtro diante de nós? São perguntas que um micróbio que sequer temos confirmada a existência trar-nos-á nos próximos anos.

Poucos meses depois, no entanto, veio o balde de água fria: talvez a quantidade de fosfina seja sete vezes menor que o detectado inicialmente, reduzindo em grande parte as chances de que sua origem seja biológica [6].

Sendo Vênus e tão próximo e ao mesmo tempo tão distante, levará anos até que tenhamos alguma confirmação, o que faz com que tenhamos que acalmar os ânimos até lá. Já nos enganamos outras vezes com relação a Vênus e Marte, quando imaginávamos que fervilhavam em vida, então, enganar-nos com relação à fosfina e às expectativas criadas não seria exatamente uma novidade.

UTC (-3) 2021-04-10 23:26:58 6" f/1.8 50mm ISO800
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A vantagem de olhar a nossos vizinhos planetários foi que, em poucas décadas, pudemos visitá-los com nossas missões não tripuladas e acabar com quaisquer ilusões. Quanto ao nossos sistema estelar vizinho mais próximo, não sabemos quando poderemos ter mais informações a respeito de seus planetas. Podemos mandar sinais de rádio em busca de uma resposta inteligente ou podemos apontar nossos futuros telescópios em busca de bioassinaturas [7]. Projetos ousados como as nanossondas de Stephen Hawkin [8] para visitar o sistema triplo vizinho poderiam, talvez, dar-nos respostas em poucas décadas; mas quem pagaria a conta de tamanha empreitada? Ou melhor, de onde tiraríamos energia na nossa atual capacidade de produção para impulsionar o comboio de nanonaves?
 
Mas, enquanto tais questões não têm respostas, só nos resta imaginar o que nos espera em outros mundos. Como disse Arthur C. Clarke, entre as possibilidades de estarmos sozinhos ou não, ambas são igualmente aterradoras.

Daniely Silva, 28 de abril de 2021.

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