Por que ouço rádio em 2021?

 
Já faz alguns anos que muita gente acha estranho quando falo sobre ouvir rádio nos dias de hoje. Apesar do estranhamento, para mim é só um hábito sobre o qual eu não costumo me questionar o porquê o tenho, assim como não nos perguntamos a razão pela qual usamos smartphones ou acessamos o Facebook, eles simplesmente têm suas utilidades para cada um de nós.

Se for pensar numa razão, ela pode ser a praticidade ou simplesmente a nostalgia. No meu caso, voto pela primeira opção: às vezes não quero me esforçar para escolher uma música ou estou enjoada daquilo que costumo ouvir e, assim, deixo que uma estação de rádio faça isso por mim. OK, é reconhecível que os algoritmos dos aplicativos de streaming façam isso melhor que qualquer estação tradicional ou ainda melhor que nós mesmos, mas é aí que entra a questão do hábito, da experiência e, eventualmente, da nostalgia.
 
Ao longo da vida, uma das principais ferramentas que usei para escutar rádio foi um rádio-relógio de madeira presenteado por minha mãe, que justamente aparece na fotografia que abre esta publicação. Desenhado em Indianápolis (Indiana, EUA) e fabricado na Malásia, o modelo 7-4613A da GE é de 1976. Minha mãe o teria comprado em meados da década de 1980 de um colega de trabalho que revendia produtos vindos do Paraguai, nosso país vizinho. Assim, é possível que este rádio-relógio seja mais velho que minha máquina de escrever, a Olivetti Dora; ambos são os objetivos mais antigos que estão sob minha posse, e não vou negar que vê-los me traz um enorme sentimento de nostalgia e carinho.

Mas é claro que o rádio não sobrevive no nosso tempo só graças à nostalgia. A praticidade com relação ao rádio é tanta que ele permanece extremamente forte nos automóveis, por exemplo. Nesse caso, ainda há a vantagem da transmissão em tempo real e a baixo custo de informações úteis ao condutor, como a condição do trânsito. "Mas o Waze faz isso muito melhor". Sim, faz. Aí fica a critério de cada um escolher o que é melhor para si, pois as experiências são claramente diferentes. A voz robótica do Waze não é uma companhia tão agradável quanto foi a deliciosa locução do nosso saudoso Ricardo Boechat, pois não?

Mais de meia década atrás, durante meu longo e insuportável trajeto à minha escola de Ensino Médio, quem aliviava a tensão do ônibus enroscado no engarrafamento da Rodovia Anhangüera eram os radialistas da Bandews FM (96.5 MHz), dentre eles Boechat. Quando soube de sua morte, acabei sendo fortemente impactada devido às memórias tidas com relação à sua programação radiofônica, sobretudo porque seu helicóptero caiu num ponto muito próximo a minha casa.

Essa proximidade com a audiência trazida pelo rádio talvez esteja ganhando como concorrentes as lives e até o novo aplicativo Clubhouse. Mas ainda há algo de especial no rádio tradicional: até pelo alcance das ondas FM, atinge a escala local de um bairro ou de uma cidade, formando, muitas vezes, parte da identidade local. Numa viagem de ônibus ou de trem, uma experiência riquíssima é zapear as freqüências para conhecer um pouco do cotidiano local através da programação das estações. Essa proximidade difere dos outros exemplos na medida em que a Internet é "uma terra sem fronteiras".
 
Mesmo que hoje uma rádio possa ser ouvida a partir de quase qualquer local do mundo através da Internet, as estações ainda carregam todo o trabalho que constituiu sua identidade durante o período exclusivamente AM/FM. Essa questão é uma problemática interessante no caso de muitas programações de podcast: por mais que o estúdio esteja situado numa cidade específica, essa mídia não costuma ter uma audiência bem determinada no tempo e no espaço. Um programa pode ser ouvido uma década depois de seu lançamento ou a milhares de quilômetros da sua cidade de origem.

Isso me faz lembrar um caso curioso que escutei de um podcaster: comércios locais de sua cidade queriam patrocinar seu programa, mas isso não faria sentido porque, por mais que alta que fosse a audiência, uma parte irrisória dela provinha da sua região de origem, não conhecendo, portanto, a empresa que faria o patrocínio.
 
Lembro-me de escutar, no meu bairro, a rádio Paulista, uma rádio pirata a qual me rendeu dois CDs como prêmios de concursos. A atenção recebida pelo nosso bairro por parte de uma estação local era especial, já que muitas rádios famosas da cidade de São Paulo não funcionavam bem aqui em casa. Devido a ser um bairro afastado, escutávamos muitas rádios de Jundiaí, como a Dumont FM (104.3 MHz) e a 105 FM (105.0 MHz). Foi deste modo que acabei desenvolvendo um carinho enorme pela Gazeta FM (88.1 MHz), pois costumava escutá-la quando, durante a infância, meu pai me levava a consultas periódicas no bairro da Bela Vista e podíamos ouvir a estação no carro. Posteriormente meu carinho pela Gazeta FM teria diminuído devido a alguns comentários cretinos e extremamente reacionários vindos de um certo locutor, fazendo com que eu só voltasse a escutá-la anos depois.


Até hoje meu bairro tem problemas de acesso às freqüências de rádio. Um impacto foi a construção, há mais de uma década, de uma torre de transmissão da antiga rádio Iguatemi, atual Rádio da Cidade (1370 kHz) [1]. A interferência era tamanha que atingia não só aparelhos de rádio, mas também televisores, telefones e até mesmo fones de ouvido. Com o tempo as interferências foram diminuindo, o que me faz crer que a antena já não cumpre sua função original. Contudo, ainda é difícil escutar rádio a partir de aparelhos mais antigos, sobretudo porque uma série de rádios neopentecostais (não tenho ideia se piratas ou não) tomaram a maioria das freqüências.
 
Apesar dos impactos trazidos ao bairro pela torre da antiga rádio Iguatemi, não se pode negar que ela acaba sendo um grande marco em nossa paisagem, destacando-se muito por sua altura e por localizar-se num ponto estratégico. Essa situação também é válida para toda a cidade de São Paulo: sendo uma cidade com poucos arranha-céus (>150m), o que realmente se destaca na paisagem urbana são as torres de telecomunicações. Dentre elas, uma das mais marcantes é a daquela rádio pela qual mencionei nutrir um certo carinho, a Torre Cásper Líbero, usada pela Gazeta; inspirada no desenho da Torre Eiffel, sua iluminação noturna em cor amarela se consagrou como um dos principais cartões-postais da cidade.

Confesso não ter entendido muito bem as mudanças trazidas pelo advento do rádio digital e do DRM (Digital Radio Mondiale), assim como o quanto isso foi difundido no nosso país [2] [3]. Apesar de tudo, a transmissão das estações por outro meio de difusão, a Internet, já está consolidada há anos, o que traz um grande alento a uma ouvinte de rádio de 2021 moradora de um bairro com problemas de recepção das ondas de suas rádios favoritas.
 
Como assídua ouvinte de podcasts, acho curioso que as web rádios não tenham desenvolvido todo o potencial prometido anos atrás. Talvez pelo custo de se manter uma transmissão radiofônica a 24 horas? É uma questão de resposta difícil, mas é de se imaginar que os podcasts tenham se expandido ocupando parte dessa lacuna! Importante lembrar que aqui me refiro às web rádios independentes, visto que as grandes estações há muito tempo já realizam transmissões através da Internet.
 
No podcast você escolhe a temática sobre a qual quer ouvir e quando quer escutar. O rádio é diferente, mas isso pode ser também uma vantagem: como dito no começo desta publicação, às vezes o que a gente quer é só deixar que nos apresentem o que vamos consumir, sem querer se esforçar para escolher com muita especificidade.

Em todo caso, o podcast conquistou boa parte dos fãs da radiofonia. Mas uma coisa não exclui a outra: as estações têm se adaptado a essa linguagem e cada vez mais têm convertido parte de sua programação a faixas de podcast para que sejam posteriormente escutadas. Assim, do mesmo modo que a televisão não matou o rádio, a Internet também não. A tradicional mídia está constantemente se reinventando, seja veiculando podcasts ou usando as mídias sociais como ponte para sua difusão; se antes a interação entre ouvintes e locutores se dava por cartas ou telefone, hoje veículos como o Twitter e o WhatsApp dinamizaram muito mais essa relação — mecanismo aproveitado também por muitos programas de televisão. Assim, o limite entre o vintage e o tech configura-se mais por uma interface que por uma fronteira, pois o antigo e o novo realizam constantes e enriquecedoras trocas.

Sobreviverá o rádio à era do streaming? Só o tempo dirá, afinal, sequer sabemos se o streaming sobreviverá a si próprio. Linguagens não sofrem uma simples morte, elas também se renovam para poder sobreviver aos efeitos do tempo. Assim, esperemos mais dez anos para ver o que aconteceu. Enquanto isso, vamos sintonizando nossa estação de rádio favorita e aproveitando uma das mais lindas invenções desenvolvidas pela humanidade.

Daniely Silva, 18 de abril de 2021.

Comentários

  1. O Rádio me traz lembranças de quando ficava esperando aquela musica tocar e fazer a gravação, torcendo para não haver a locução no final ou mesmo aquela vinheta que viria a estragar a mesma. Depois aquela fitinha ia para meu Walkmen, onde ouvia até a exaustão.
    Com tempo a tecnologia evoluiu, mas me mantinha fiel as rádios que tocavam o que se passou a ser meu estilo de música favorita, o rock, que evoluiu para o Heavy Metal e mantenho fiel até os dias de hoje em meus 45 anos, são mais de 30 anos ouvindo o bom e velho rock and roll.
    Porem hoje não tenho paciência para ouvir rádio, mas quando estou no trânsito coloco numa rádio que me chama a atenção pelo bom humor (Energia, ouço o programa Energia na véia, rsrs).
    Costumo fazer minha própria trilha sonora, para os mais variados momentos de minha vida tem uma música que encaixa num momento, numa postagem numa rede social. Mas o rádio ainda considero de suma importância, tanto pelos aspectos informativos como culturais.
    Em fim é uma tecnologia que não consigo imaginar que seja extinguida, até passou por revoluções, mas a essência é a mesma comunicação e claro, diversão.

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