O desabrochar de uma vida: o verdadeiro voo se dá fora de uma gaiola

 
Em meio a todo o caos que vivenciamos desta segunda onda da pandemia da Covid-19, com colapso dos sistemas de saúde e vacinação a passos lentos, o dia de hoje acabou sendo especial por um motivo bem singelo. Há semanas me havia dado conta da presença de um ninho de alguma ave no meu jardim: volta e meia e cada vez mais escutava seus piados, eventualmente vendo alguma movimentação de um pássaro adulto, mas que passava tão rápido que mal podia identificá-lo. Após uns dias consegui identificar o ninho — que estava beeem escondido — , mas nunca consegui ver os filhotes enquanto estavam lá. Claro que não cheguei muito perto nem tentei encostar, justamente para evitar problemas entre eles.

Pouco depois de ter identificado o ninho, houve uma tempestade tão forte como não via há muito tempo. Como a planta onde está assentado o ninho é razoavelmente frágil, fiquei preocupada que o vento a sacudisse a ponto de derrubar os filhotes. No dia seguinte seguiu-se um silêncio "ensurdecedor", o que me deixou mais preocupada ainda. Eu não pensava só sobre a queda, mas sobre a possibilidade de caírem e serem agarrados pela cachorra de casa.
 
Logo pude ver que minhas preocupações eram infundadas e durante vários dias tive os doces piados como despertador. Foi hoje que, numa grata surpresa, pude ver vários jovens bicos-de-lacre cantando e descobrindo o mundo! Ainda não tinha certeza se eram os mesmos que eu escutara por todos estes dias desde o ninho, mas tudo indicava que sim: o canto era parecido, os pássaros pareciam filhotes e, no antigo ninho, havia várias penas como vestígio. Agora que eles podem se virar sozinhos, minha única preocupação é que algum gato os agarre ou, pior ainda, que algum vizinho os ponha em gaiolas.

 
Assim, passei boa parte do meu sábado fotografando-os ao ponto de quase fritar minha câmera. Foi tão emocionante ter acompanhado seu crescimento, ainda que só pela audição, que meu coração ficou por horas acelerado. Novas vidas são sempre novos sopros de esperança, sobretudo durante estes momentos turbulentos pelos quais passamos. 

Na nossa tenra infância, antes que possamos finalmente dar nossos primeiros passos, cambaleamos muito e, eventualmente, caímos. Mas depois nossas pernas nos proporcionam o melhor meio de transporte que a Evolução nos presenteou, numa sensação inigualável que é ter controle sobre os próprios movimentos.
 
 

Se caminhar é tão emocionante, mal podemos imaginar a sensação tida por um pássaro no seu primeiro voo, quando uma jovem ave começa a descobrir as possibilidades tridimensionais por onde pode viajar, atritando com os ares e tendo um novo mundo sob suas asas. No caso destes vizinhos emplumados do meu jardim, parece ser ainda mais emocionante, pois estão descobrindo o mundo entre irmãos. Só espero que suas visitas não terminem agora, pois não há música melhor que seus cantos.


Daniely Silva, 10 de abril de 2021.

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