5 línguas que marcaram minha vida

Muitas vezes, o que pensamos acerca de uma língua diz muito mais sobre o que pensamos a respeito de um certo povo, podendo incluir alguma romantização a que lhe atribuímos. Num antigo rascunho desta postagem, por exemplo, eu incluí o russo; sei muito pouco sobre a língua russa, mas a romantizava, principalmente, porque quando fiz o rascunho, anos atrás, era comunista e o idioma me remetia a uma imaginário muito forte em torno da União Soviética.

No caso das línguas planejadas pode ser mais complicada essa relação de sentimentos que desenvolvemos entre uma língua e um povo. Se falamos sobre o Esperanto, que se propõe uma ferramenta de comunicação neutra entre as diversas culturas, seu "povo" estaria disperso internacionalmente. Assim, nunca sabemos bem porque há uma impressão geral tão negativa a respeito do Esperanto; talvez o desagrado seja por conta da própria ideia interna de uma língua neutra e fraterna, tendo em vista que não costumamos ver ataques às outras línguas planejadas.

Línguas são ferramentas, não têm um fim em si próprio. Se elas servem à comunicação, então seu uso é completamente válido, sejam elas étnicas ou planejadas!

É através da linguagem que a humanidade pode expressar sua cultura, seus sentimentos e comunicar seus saberes. Assim, também é importante perceber que a escrita representa apenas um fragmento de todo o universo das línguas, havendo uma série de línguas sem um sistema de escrita — e isso está bem!
 
 
A dificuldade de uma língua a ser estudada nunca é absoluta, não se limitando à relação de parentesco entre ela e a língua nativa do estudante. A dificuldade se relaciona muitas vezes ao poder econômico de uma língua, o que permitirá ou não a existência de mais material didático e de uma indústria cultural bem desenvolvida. Sabemos que, historicamente, muitas línguas se comportaram como ferramenta de dominação de um povo sobre outro/s.
 
Por mais que queiramos que as línguas sejam sempre uma ferramenta para o desenvolvimento humano e sua autonomia, infelizmente essa não é sempre a realidade. Mas, de qualquer forma, um mau uso de uma ferramenta não muda sua potência de profundidade e transformação.

Nesta lista tento mostrar as línguas que mais marcaram minha vida, de um modo ou de outro. Aqui pouco importa o nível de proficiência em cada uma delas, mas o nível de sentimento a elas envolvido.

5. toki pona
 
Coincidentemente, conheci o toki pona através da mesma pessoa que me apresentara o Esperanto há quase uma década. Foi através de uma atualização de status no Instagram, na qual ele publicara uma foto em que escrevera alguns glifos do toki pona e falava sobre ter começado a aprender mais uma língua planejada. Àquela altura achei divertido e até engraçado, mas não havia entendido nada sobre a ideia por trás da língua, só me aprofundando no seu conceito meses depois. Curiosamente, o processo foi parecido quando ele me apresentou o Esperanto: achei interessantíssima a ideia, mas só fui pegar firme para aprender muuuuitos anos depois.

toki pona quer dizer algo como boa fala ou fala simples; sim, uma mesma palavra é usada para se referir a algo bom e a algo simples, justamente porque, na concepção da língua, aquilo que é bom também é simples. Por essa razão, a língua é formada originalmente por somente 120 palavras, já que, diferentemente da maioria das línguas planejadas, o toki pona não pretende ser uma língua auxiliar, mas uma língua terapêutica e filosófica. Com base em princípios do taoismo, o minimalismo está intimamente ligado à ideia por trás da língua, servindo como um exercício à mente que a ensina a dar valor àquilo que é essencial.

O minimalismo no toki pona se manifesta, por exemplo, além do vocabulário limitado, no fato de que todas as letras são minúsculas; a única exceção é para palavras vindas de outras línguas, as quais têm a primeira letra capitalizada. O número de fonemas é também limitado: 9 consoantes e 4 vocais, o que facilita a pronúncia para os nativos de qualquer língua.

Como desde dezembro de 2019 me encontro num processo de buscar cada vez mais o minimalismo em minha vida, a língua caiu como uma luva! Tenho estudado-a há alguns meses entre alguns intervalos. Confesso não ter muito afinco e disciplina, mas posso dizer que é um exercício relaxante e estimulante. 

Como mencionei, a palavra pona mostra que o simples é também bom, mas, além desta, a palavra wile tem também um conceito interessante: quer dizer tanto precisar como querer, pois, se você não precisa de algo, talvez não tenha muita razão para querê-lo.

4. Língua Brasileira de Sinais (Libras)
 
Minha relação com a língua brasileira de sinais começou no final do Ensino Médio: havia me interessado em aprendê-la junto a uma amiga e a estudamos um pouco juntas por nossa própria conta. No ano seguinte, 2016, ela acabaria tendo aulas de Libras e um maior contato com a comunidade surda, o que intensificou seus estudos e fez com que eu, indiretamente, absorvesse um pouco disso.

Contudo, acabamos por nos afastar e meu novo contato com a Libras só foi chegar em 2017, no meu quarto semestre do curso de Geografia com a disciplina de Introdução à Libras.

Nosso professor era surdo e não havia intérprete disponível na instituição, havendo chegado uma somente nas últimas aulas do semestre. O que foi uma dificuldade também foi um estimulante: a imersão durante as aulas era total.
 
Infelizmente, sem o estímulo contínuo, acabei por me esquecer da maioria dos sinais que havia aprendido. Nos últimos meses, tenho tentado retomar o aprendizado, mas, ao contrário da minha facilidade com línguas oral-auditivas, acaba sendo para mim mais difícil o aprendizado de uma língua visual-espacial por métodos não presenciais. Mesmo nas aulas presenciais acabei tendo um bocado de dificuldade — talvez por conta de minha péssima coordenação motora?

Ainda com as dificuldades, retomar os estudos da língua tem me trazido uma mescla de sentimentos: por um lado, parece-me impossível continuar; pelo outro, posso perceber que os sinais que havia aprendido noutros momentos continuavam presentes em algum lugar da minha memória.

3. Língua Espanhola
 
Estando no Brasil, nosso contato com o espanhol não é nada desprezível. Entretanto, é uma memória remota com relação à língua que me marca até hoje: por volta dos 4 ou 5 anos de idade estava para assistir a um DVD d’O Mágico de Oz. Curiosa sobre as opções de áudio entre português e espanhol, perguntei a minha prima qual escolher, ao que ela me respondeu que escolhesse o espanhol, já que a maior parte de suas palavras eram semelhantes às do português.

Daí em diante, durante a infância, sempre brincava de repetir frases ou músicas num portunhol improvisado. Mas foi no início da adolescência que decidi estudar minha primeira língua estrangeira; sem a possibilidade de curso, já que não havia dinheiro, tive que ir estudando por conta própria. Quem me deu um grande apoio naquele então foi um professor de Ciências do Ensino Fundamental, o professor Rondon; ainda que não tenha me ajudado absurdamente em questão de conteúdo, seu apoio e relatos sobre seu conhecimento acerca da língua de Cervantes foram marcantes. 
 
Muitas vezes ouvia que era inútil estudar o espanhol por sua semelhança com o português; de fato, a inteligibilidade mútua é muito alta, permitindo que a maioria dos falantes de português brasileiro entenda boa parte de um diálogo ou de um texto em espanhol. Contudo, aprofundar-se num idioma é o melhor caminho para aproveitar da melhor forma tudo o que ele tem para oferecer.
 
O espanhol me proporcionou conversas maravilhosas — e outras nem tanto —, o que mostra que a língua é, antes de tudo, uma ferramenta, proporcionando tanto as boas como as más experiências. Graças à língua espanhola, tive acesso a livros, filmes e músicas inesquecíveis, o que tem um valor imensurável. 
 
Ainda, como primeira língua estrangeira a ser estudada na vida, a experiência de aprender a aprender acabou sendo importante para toda minha vida.

2. Língua Portuguesa
Ahhh, a língua portuguesa... A língua de Camões, mas que também é da dona Maria, do seu Bento, da professora Ziza, do professor Querino e de outros milhões de falantes das línguas galaico-portuguesas.

A língua da ácida ironia de Machado de Assis: falado ou escrito, o português é uma língua tão bela que dá saudade. Já cantava Roberta Miranda: saudade, palavra triste. Essa palavra tão presente na música e na literatura, tão característica do galego e do português. Afinal, se só é possível filosofar em alemão, é claro que só se sente saudades em português; isso é claramente uma brincadeira, mas dizer isso mostra o quão forte é o sentimento levantado pela palavra saudade no coração dos lusófonos.
 
A língua em que se pode ser e estar, das pronúncias cantadas e da gramática complicada. Para mim, o mais característico do português brasileiro são as vogais nasais, assim como, no português brasileiro, o sons consonantais que sempre precisam de uma vogal ao seu lado ou no seu lugar: quando mel vira méu e advogado vira adivogado ou adêvogado. Ou mesmo os monotongos que se tornam ditongos e vice-versa: o cuscuz que vira cuscuiz e o dinheiro que se torna dinhêro
 
Mesmo com as marcas das línguas tupi-guarani, dos anglicismos e francesismos, a língua portuguesa não perde sua identidade, continuando com sua deliciosa profusão de prosódias e a potência de ser e de estar. O português segue, portanto, mais vivo do que nunca, não à toa sendo a quinta língua mais usada na Internet [1].
 

1. Esperanto

 
Meu primeiro contato com a língua internacional foi cerca de meia década atrás, quando me foi apresentada por um esperantista que eu conhecera através do Orkut. No entanto, só fui me interessar em estudá-la muitos anos depois, quando, por extrema coincidência, acabei retomando o contato com este que me apresentou a língua internacional. 
 
Sempre admirara a ideia de uma língua neutra internacional com uma regularidade que a torna mais fácil de aprender, mas nunca havia tomado a iniciativa de estudá-la e me aprofundar sobre.
 
Foi no Ano Novo de 2020 que decidi que dedicaria boa parte daquele ano para melhorar o meu inglês e estudar Esperanto.

Eis que chegou a pandemia da Covid-19 e, com mais tempo livre em casa, acabei intensificando meus estudos. Por outro lado, foi por conta desta que ainda não tive nenhuma experiência presencial com a língua internacional; planejava ir ao congresso em Ribeirão Preto no Inverno de 2020, mas com a pandemia isso ficou para depois (e não sabemos quando será possível no Brasil). Contudo, graças à Internet, pude continuar estudando e intensificando contatos, o que mostra a importância da rede para a difusão do Esperanto.

O Esperanto, além de tudo, por seu valor propedêutico (propedeŭtika valoro), pôde me ajudar indiretamente no estudo de outras línguas, o que inclui minha língua nativa. Por ser totalmente regular, fica bem mais fácil compreender inúmeros conceitos gramaticais e, assim, libertar o pensamento. Um exemplo que tenho que confessar é que nunca entendera muito bem, em qualquer língua, o que era um advérbio, sendo depois da entrada do Esperanto em minha vida que isso ficou mais claro em minha mente.
 
Diz-se que o Esperanto não tem cultura; isso sequer seria um problema, pois é uma língua que se propõe ser uma ponte entre as diversas culturas humanas. Mas, ainda assim, há uma enorme produção literária, musical, audiovisual e científica na língua internacional, tanto traduzidas como originais. Um exemplo é que é a 35ª língua em números de artigos na Wikipedia, com quase 300 mil [2].

Não entendo muito bem a razão para que o Esperanto cause tantas impressões negativas a muitas pessoas, mas ter ouvido alguns comentários desagradáveis sobre estudá-lo acaba, também, agregando à minha curta história com a língua internacional.

[Bônus] Língua Inglesa

Por muitos anos da minha vida tive um enorme bloqueio com o inglês. Em parte por dificuldade, mas principalmente por revolta adolescente contra o Imperialismo que faz com que o inglês seja tão presente e essencial em nossa vida. Demorei para perceber que é interessante para o Imperialismo que nós, das nações periféricas, fiquemos alheios a toda a produção cultural e científica em língua inglesa. Quer queiramos ou não, esta é, atualmente, a principal língua de comunicação internacional — e eu, enquanto esperantista, não vejo problema em ter que reconhecer isso. É até curioso que muitos digam que estudar Esperanto é perda de tempo e que devemos focar nossas energias no inglês; mas qual o problema em aprender os dois? Um estudo sempre pode ajudar o outro!

Após o período de revolta contra a necessidade de aprender inglês, tive uma grande ajuda produção cultural em língua inglesa de países não-ocidentais, já que esta não me causava a mesma revolta por vir de países periféricos como o nosso. Dentre essa produção, uma cantora que me marcou e me marca até hoje é a franco-nigeriana Aṣa (vídeo abaixo). É claro que posteriormente eu superaria a revolta e passaria a consumir conteúdos de quaisquer países de língua inglesa, mas esse período de transição foi importante para mim.


Conforme meus estudos foram sendo intensificados, também pude me dar conta de que o inglês escolar brasileiro não é totalmente desprezível. Claro que está muuuuito aquém do suficiente, mas a gramática ensinada funda importantes bases para o aprendizado, não é como dizer que "só se ensina o verbo to be", como ouvimos com tanta freqüência.

De qualquer modo, pelo menos acabei me dando conta do que estava me privando ao não entender inglês e pude correr atrás de recuperar o tempo perdido. 

Particularmente, o inglês falado na Índia me agrada bastante. Além disso, a variante é a melhor opção de interface para sistemas ou aplicativos, visto que, geralmente, o inglês britânico e o americano configuram por padrão o sistema imperial de medidas — e já passei por muita coisa nesta vida pra ter que suportar ver a temperatura em Fahrenheit, não é mesmo?
 
Daniely Silva, 03 de abril de 2021.

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