Emprestar dinheiro é uma furada

 
Havia começado a escrever o rascunho desta postagem meses atrás, mas o gatilho que me fez voltar a ele foi um evento ocorrido no começo desta semana, na segunda-feira, 10 de maio. É tão curioso quando alguém mal fala com você, mas sempre que lembra de si é para pedir algum favor. Até aí tudo bem, quando recebi uma mensagem de boa noite pensei se tratar de mais um favor e não seria problema algum ajudar. Mas o pedido era de um valor alto em dinheiro a ser emprestado.

Reconheço que meu maior pecado é o da avareza, mas o problema não é só este: dou valor àquilo que não veio fácil e não gosto que vá fácil. Se posso ajudar alguém e aquilo não far-me-á falta, dar-lho-ei com todo o gosto. Mas e se me for fazer falta? Não há garantia de que a pessoa vá me pagar quando prometido e, muitas vezes, cobrar é indelicado, fazendo com que quem fez o empréstimo acabe ficando mal visto — por mais que esteja realmente precisando daquele dinheiro de volta. Outra questão é: quando viermos a precisar de algo, será que quem tem por hábito sempre pedir estará disposto a nos ajudar? Não sou Santa Dulce para fazer sem esperar nada em troca.

Ainda que a pessoa pague com regularidade, não vale a ansiedade de emprestar e não saber quando (e se) voltará o dinheiro. Confiança é relativa: a gente confia no cidadão até que este vacile com a gente. Por isso, não vale a ansiedade e a possibilidade de estragar a amizade: se possível for, é melhor dar o dinheiro de bom grado ao invés de emprestar. Ainda que se confie plenamente na pessoa, pode acontecer que ela morra antes do pagamento; e aí? É melhor dar, presentear, sem esperar de volta: evita-se o estresse para ambos os lados.

Tenho seguido essa lógica com relação aos livros. O pior de tudo ao emprestá-los é não recebê-los de volta. Agora o que tenho feito é presenteá-los: escrevo uma dedicatória e não tenho que me preocupar com seu retorno, pois a pessoa dar-lhe-á o destino que bem entender. De quebra, acabo aproveitando a deliciosa sensação de poder presentear pessoas queridas.
 
Por vezes ainda há a cara de pau de se jogar na cara favores ou presentes pretéritos para que se recuse a pagar o que foi emprestado. Mas o dado não paga o emprestado, são coisas distintas. O dinheiro que foi emprestado faz falta, tinha um fim e deveria voltar; enquanto o que foi dado, foi dado de bom grado sem requerer devolutiva.
 
Quando emprestamos, geralmente o fazemos de boa vontade e esperamos que haja recíproca no momento do retorno. Tiramos do nosso bolso e das nossas economias para ajudar, geralmente não exigindo correção monetária e saindo no prejuízo com a depreciação do moeda — e ai daquele que empresta cobrando juros! De todos os adjetivos o mais suave que lhe é atribuído é o de "agiota".
 


Uma situação parecida é o ato de emprestar cartão de crédito. Embora não pareça, isso também é emprestar dinheiro. Geralmente quem pede isso tem o nome sujo na praça ou usou descontroladamente o cartão e agora se encontra sem limite de crédito. Como muitas vezes não percebemos o crédito como dinheiro e a pessoa diz que pagará logo ao final do mês, acaba sendo mais fácil emprestar seu cartão que fazer o mesmo com dinheiro em espécie ou numa transferência bancária.

Se a pessoa tem o nome sujo e não honrou com suas dívidas, por que honrará com as suas? OK, ninguém fica endividado por querer! Mas se imprevistos fizeram com que não honrasse a dívida com a operadora financeira, quem garante que quando surjam novos imprevistos essa pessoa vai honrar o favor e não deixar que o nome do seu benfeitor fique também sujo?

Eu já tive experiências ruins relacionadas a isso. No fim, tudo foi acertado, mas, além do prejuízo deixado pela inflação, o pior de tudo foi a ansiedade e a decepção. Ver alguém que você ajudou na boa vontade deixando a dívida fora das prioridades, enquanto você está precisando daquele dinheiro, passando horas sem se alimentar e calçando sapatos rasgados, é uma sensação desapontadora. O que a gente tira disso é aprender a deixar de ser trouxa e a dizer não, por mais que doa aos dois lados e por mais querida que seja a pessoa que fez o pedido.

Minha mãe ainda passou por momentos piores. Houve gente que, sem que fosse por conta de imprevistos e já tendo fama de caloteira, desonrou suas dívidas para com ela, deixando-a desesperada com a possibilidade de ter o nome sujo na praça (um de seus maiores medos na vida); não fosse o socorro de terceiros, justamente isso teria acontecido. Noutra ocasião, alguém que se dizia sua amiga viria a se aproveitar do baque causado por uma má notícia para usar seu cartão de crédito sem que ela sequer se desse conta, visto que ainda estava em choque pela notícia.

De tudo o que já passamos, acabo concluindo que nunca sabemos em quem confiar, principalmente em se tratando de dinheiro. Para mim, é bem mais produtivo manter o dinheiro separado das relações de amizade, românticas e familiares. Dinheiro é bom e todo mundo adora (ou precisa), mas melhor ainda é quando ele nos serve, ao invés de que nos sirvamos a ele. Do mesmo modo que o dinheiro pode ser fonte de felicidade e prazer, ele também pode ser fonte de desespero, ansiedade, ruína e decepção. Por isso, o melhor de tudo é ter cautela e manter tudo no seu devido lugar. Como dito: se eu puder, eu dou de bom grado; se não puder, não empresto e paciência se alguém ficar com rancor.
 
Daniely Silva, 15 de maio de 2021.

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