Lina Bo Bardi dando cara a São Paulo: 3 obras que perpassam minha vida

Lina Bo Bardi viveu entre 1914 e 1992, falecendo aos 77 anos na cidade de São Paulo. Nascida em Roma, na Itália, Lina fincou suas raízes no Brasil. Socialista, punha-se em oposição ao regime fascista de Benito Mussolini, enquanto no Brasil levantou suspeitas de subversão dos tiranos do regime militar. Em toda sua garra política, ela teria confrontando, na segunda inauguração do Sesc Fábrica Pompéia, face a face o presidente-general Figueiredo, nos últimos anos da decadente ditadura.
 
A arquiteta deixou importantes marcas em cidades como São Paulo e Salvador. Em São Paulo, entre os arquitetos modernistas, Lina foi talvez aquela que mais deu cara à cidade, tornando-a a capital do Modernismo no Brasil.

Tudo bem, quando se fala numa possível capital do Modernismo no Brasil, podemos de imediato pensar em Brasília: o auge do planejamento corbusiano e das curvas de Niemeyer. Contudo, considerando-se que  o Modernismo chegou a São Paulo antes da construção de Brasília, pode-se imaginar que a cidade foi uma espécie de planta experimental para o que viria a seguir, com o grande marco que foi a Semana de Arte Moderna, no início do século XX.

Seria insensato negar a presença modernista no Rio de Janeiro, então capital federal e mais populosa cidade do país àquela altura. No entanto, é preciso lembrar que a Guanabara já havia visto o seu momento de efervescência em outros momentos artísticos e históricos — situação claramente diversa da paulistana.

Por séculos uma cidade periférica na colônia, no Império e na República, sempre às sombras da corte, São Paulo veria sua população ultrapassar a carioca somente no início da segunda metade do século XX. Ainda com seu alvorecer para o país com o café e a industrialização a partir da segunda metade do século XIX, a cidade só veria, de fato, o acender simbólico de suas luzes na Semana de Arte Moderna.
 
Décadas depois, Lina Bo Bardi daria o tempero final a esse processo com sua arquitetura, marcando de modo inigualável a paisagem paulistana. Neste publicação, escolhi três de seus trabalhos que de algum modo atravessam minha vida, mas seu impacto na cidade é quase imensurável.
 

1. Museu de Arte de São Paulo
 

A Avenida Paulista foi um dos primeiros locais que me encantei na cidade de São Paulo, estando ela presente em vários momentos marcantes da minha adolescência. Das caminhadas reflexivas a outros momentos importante, não há como se falar na avenida mais famosa do país sem mencionar um de seus principais cartões-postais: o Museu de Arte de São Paulo, o Masp. 

Com sua arrojada arquitetura, sua principal característica é o vão livre: local político, cultural e, o mais importante, local de estar — de permanência e de passagem. Diz-se por aí que a escolha arquitetônica do vão livre foi uma contrapartida para que fosse mantida a vista para o vale da Avenida 9 de Julho; isso pode não ser verdade, mas não deixa de ser uma conseqüência fantástica.

O conjunto entre o concreto e a cor vermelha gritam a identidade de Lina, característica marcante nas outras duas obras mencionadas. Ainda que, no caso do Masp, a cor tenha vindo anos depois de sua inauguração, tudo indica que isso estava nas ideias originais da arquiteta.

 

2. Catavento Cultural


O Palácio das Indústrias, edifício que já foi centro de exposições, Secretaria de Segurança Pública e Prefeitura Municipal, marcou minha vida por representar minha primeira experiência no mercado de trabalho. Lá, enquanto educadora, o contato com centenas de grupos escolares com os olhos brilhantes ficou gravado a ferro na minha memória.

Além de toda a experiência profissional, educativa e humana, era deslumbrante poder ver todos os dias os traços desta chamativa arquitetura eclética. Entretanto, eram os corredores do subsolo que me permitiam ter um encontro diário com Lina Bo Bardi: foi lá que seu restauro de 1991, feito para que o edifício abrigasse a Prefeitura Municipal entre 1992 e 2004, deixou as marcas da arquiteta com o concreto e as cores vibrantes separando o novo do velho. Essas cores eram o que, trazendo alegria ao ambiente, rompiam com a aparência mórbida de um subsolo de tijolos envolto em lendas e histórias assustadoras.
 
3. Sesc Fábrica Pompéia, sua obra prima
 

O mais bruto e simples concreto é a obra mais chamativa nas ruas da Pompéia, Zona Oeste da cidade de São Paulo. O concreto molhado ganha um tom especial, talvez meio mórbido, mas mais ainda reflexivo. Em meio ao concreto, novamente os detalhes em vermelho trazem a assinatura de Lina que pode ser vista ao longe.
 
Tanto o restauro da antiga fábrica alemã feita de tijolinhos como o novo edifício de concreto trazem características de um socialismo vivo expresso pela arquitetura, experimentado nos vários aspectos de  convivência e conflitos.

As passarelas que são tão chamativas e "instagramáveis" refletem uma dificuldade técnica: no fundo do terreno passa um rio canalizado, o Córrego Água Preta. Lina aproveitara essa dificuldade para unir as atividades de dois edifícios através de passarelas de concreto que funcionam como pontes sobre um rio lamentavelmente esquecido. Portanto, não é coincidência que no espaço do Sesc Fábrica Pompéia sobre o rio canalizado esteja um deque de madeira, um dos melhores espaços de descanso a céu aberto da cidade!

Felizmente, graças a recentes trabalhos de saneamento básico, o rio é um dos poucos considerados limpos na cidade de São Paulo. Lamentavelmente, apesar de limpo não se é possível vivenciá-lo, o que nos mostra que não basta despoluir rios, mas é preciso libertá-los da prisão em que foram postos pelas grades, pelos canos e pelas avenidas.
 
Daniely Silva, 31 de março de 2021.

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